21/10/2008


Namasté amigos,

Estou de novo nos Himalaias, na pequena vila Bagsu, depois de 3 meses viajando pelo Ladhak e pela Tailândia. A vila agitada e povoada por turistas e viajantes entrou numa calma profunda, nestes meses que estive pelo mundo, a natureza foi feroz e a chuvadas intensas destruíram caminhos, casas, templos... afastando os curiosos vindos de todas as partes do mundo para desfrutarem da natureza pura, da vida refugiada nestas paragem dos tibetanos e do yoga em sítios encantados onde a neblina envolve os corpos como numa nuvem de algodão doce. Cheguei num tempo abençoado, a chuva havia terminado a uma semana, o sol erradia quente e doirado entre a floresta de arvores frondosas de carvalhos de bolotas pequenas, de cedros e de pinheiros típicos dos Himalaias... o silencio é absoluto. Lojas, bares, restaurantes e uma data de guest house, fecharam por não haver quem os frequente... eu sinto-me reconfortado neste clima e entre os amigos que por aqui fui criando, sabe bem descansar depois de 2 meses na Tailândia.

Quando decidi ir até à Tailândia, tinha a ver com uma questão prática, o meu visto estava a terminar e era necessário renova-lo para continuar na Índia e no meus estudos ayurvédicos... tinha programado estar neste país duas semanas, tempo suficiente para tratar do visto e regressar... os motivos que me levaram a ir a este canto asiático, foi de ser um país barato, budista e porque o bilhete de avião custava 60euros, Kolcata – Bankok.

Quando cheguei a Bankoke, do aeroporto ao centro da cidade, onde iria ficar hospedado numa Guest house que o meu amigo Santiago me havia recomendado, fiquei deslumbrado com uma cidade gigante e moderna, cheia de arranha céus, limpa e bonita... achei as pessoas simpáticas e simples, colocando as mãos juntas em frente ao externo e saudando, prática que foi presente nestes dois meses que por ali existi...

Andei pelas ruas maravilhado, havia em cada esquina em cada parte centros de massagem tailandesa, a preços alucinantes de 160B uma hora, ou seja 3 euros e 40 cêntimos, sítios simples, limpos e confortáveis... estava deslumbrado como um menino pequeno que vai pela primeira vez a um parque de diversões...

Com um mapa na mão pateei ruas, calçadas, parques, visitei monumentos, templos budistas, até me sentir exausto e completamente molhado pelo transpiração perante os 35º graus de temperatura sem sol... decidi regressar ao abrigo tomar um banho relaxar e sair para receber uma massagem e depois dormir... nesse momento tomei contacto com outra realidade ao entrar num spa, perto do sitio onde pernoitava, a meio da massagem uma tailandesa linda, tirada de um conto de fadas, me ofereceu os seus serviços mais íntimos em troca de meia dúzia de trocados. Fiquei petrificado, não esperava por aquilo... muito menos num sitio comum, numa rua central da cidade... pedi que terminara a massagem thai e retirei-me sem comentários, esta mulher linda de uns 23 anos, acompanhou-me a porta e deu-me um cartão com o numero de telefone, sussurrando baixinho que fazia serviços ao domicilio depois das 24h. Eu sorri e segui... num primeiro momento o meu ego inchou, achei que tinha algo que encantava a estas mulheres de olhos em bico... e fui dormir maravilhado.

No dia seguinte visitei Silom, uma parte turística da cidade, conhecida por bares, restaurantes e casas de sexo... exausto pelo calor que derretia o meu corpo escorrendo gotas enormes de suor empapando a roupa deixando-me desconfortável e com a sensação que estava a derreter, nesse momento veio a minha mente a visão do fogareiro gigante de Fátima, onde os peregrinos colocam as velas e aquelas grandes imagens de santos e anjos que desaparecem derretidas pelo calor do fogo, eu sentia-me assim uma daquelas imagem a derrete lentamente, gota após gota aumentando o desconforto que sentia na pele... decidi entrar numa outra casa de massagem, linda, bem decorada e fresca. Desta vez fui atendido por um rapaz de vinte e tantos anos, que me acompanhou a parte cima do spa, e indicando-me o sitio onde poderia trocar de roupa e vestir uns quimonos próprios da massagem thai, porque esta massagem vem do yoga massagem e é uma sequencia de movimentos agradáveis e relaxantes, sem óleo sendo o resultado final de leveza... quase no final da massagem este jovem, sugeriu oferecer-me os seus serviços sexuais em troca de 500B, explicando que os tailandeses não tem muito dinheiro, fiquei em pânico, ou eu não sabia escolher os sítios onde ia ou estão isso era assim, como algo normal nesta cultura. Uma semana mais tarde conclui que era uma prática normal neste povo sobrevivente, quando observei uma quantidade de turistas de idades "maduras" 65 para cima, acompanhados por deusas thais de corpos perfeitos... fiquei aterrorizado e o meu ego diminuído... entendi que por aqui sexo é dinheiro e só isso... mas mais abismado fiquei quando vi um fulano sem um braço e com os dedos da outra mão cortados acompanhado por uma sereia tão perfeita que os meus olhos pareciam pegar-se como cromo a esse corpo cintilante... e nos dois meses que estive nesse país pude comprovar e habituar-me a essa ideia que me esvazia por dentro e tentar entender como estas mulheres se podiam sujeitar a esses homens gordos e velhos, de cabelos brancos, vestidos de adolescentes rebeldes... sem uma pinga de amor, só pelo dinheiro, mas entendi que a luta pela sobrevivência é feroz...

No dia seguinte segui para a embaixada da Índia, para renovar o visto e fui informado, por um Indiano mal humorado de que só me autorizavam o visto para 3 meses... esta notícia apanhou-me de surpresa, pois esperava um visto de 6 meses... sem saber o que fazer, telefonei para a minha escola de ayurveda, que me aconselhou ficar dois meses na Tailândia e depois tentar um novo visto, tinha funcionado com outros estudantes... e decidi ficar... e o que fazer então? Entrei num desses ciber que na Tailândia são espectaculares, computadores modernos, rápidos, com uns cadeirões desses que se movem colocando o corpo relaxado e confortável, além do preço ser muito barato, e naveguei pela janela do mundo há procura de sítios que visitar, de cursos de meditação budista, de cursos de thai massagem... apareceram tantas sugestões que não pude decidir o que fazer... por um lado estava farto de Bankoke, uma cidade grande, moderna, poluída, com grandes centros comerciais, onde se vende tudo o que pelo mundo se faz de marca de qualidade, às portas dos centros grandes, onde as gentes endinheirada adquire as últimas novidades da moda, estavam pequenas barraquitas, multiplicadas, parecendo cogumelos num bosque prospero, onde se vendia as mesmas coisas, às vezes até mais interessantes do que dentro das portas grandes, a preços muito mais baratos, cópias precisas em materiais menos nobres, onde os turistas passavam grande parte do tempo a regatear a melhor oportunidade eu também por ali andei...

Nessa noite, exausto pelo calor, pelo ruído da cidade e do ar pesado da poluição sentei-me rendido num pequeno terraço na rua das embaixadas, a beber uma cerveja de meio litro e a contemplar as pessoas que por ali passavam preocupadas em seus afazeres, enquanto passava o tempo perdido nos meus pensamentos, sentou-se na mesa do lado um casal de espanhóis, falando sem parar, rindo e a beber cerveja de meio litro, decidi meter conversa... falamos durante bastante tempo, ela uma jovem de 26 anos ele aparentava um pouco mais velho, Rocio tinha olhos cor azeitona, uns lábios grossos e dentes amarelados, talvez pelos cigarros que fumava, uns atrás dos outros, tinha apele morena e um sorriso de andaluza, ele que não me lembro o seu nome, era puro musculo, um ar abrutalhado, com cicatrizes pela cara, mas com uma voz terna e de modos educados, que nada tinham a ver com a profissão que levava, ele trabalhava na Tailândia, como lutador de Thai boxe... Rocio por sua vez estivera a estudar durante 6 semanas numa escola de thai massagem, tirando o curso de professora de massagem... trocamos ideias, ela deu-me o contacto da escola, que anotei piedosamente... despedimo-nos e fui dormir.

No dia seguinte, depois do pequeno-almoço, entrei nesse confortável ciber para averiguar o site da escola que Rocio me havia aconselhado (www.itmthaimassage.com). Esta escola ficava no norte da Tailândia, numa cidade que tem por nome Chiang Mai, ouvira falar dela, é um destino de muitos turistas e viajantes, uma cidade mais pequena que BKK e mais barata por sinal - tive a oportunidade de comprova-lo mais tarde - . Enviei um e-mail para a escola e a resposta foi rápida, agradável, detalhada... entrei noutros sites de escolas de thai massagem para comparar os preços e esta apresentava melhor oferta. Consultei a página Thai ar line e havia uma promoção de voos, e comprei por 20 euros a passagem de BKK a Chiang Mai.

20/10/2008

Cheguei bem cedo a Chiang Mai, por volta das sete da manhã, era ainda uma cidade adormecida, que se levantava da bruma da noite, e tinha lido no lonely planet, que havia uma zona chamada nigth Bazar, e aí havia um quantidade de ofertas de guest house a preços mais em conta. Com a mochila às costas andei pelas ruas ainda vazias, e com um mapa na mão, que no avião havia assinalado as ruas e os sítios para dormir, fui entrando e saindo das guest house, comparando os preços, as ofertas, o silencio, a qualidade, a hospitalidade a energia, a beleza... até que dei com Mandala Hause (www.mandalachiangmai.com), extremamente bem situada, como se tivesse no coração da cidade, dentro de um pequeno bairro, silencioso e bonito, gostei do quarto, de cor de ovo com os moveis cor de carvalho envelhecido, com uma gigante cama, uma televisão, uns cadeirões a entrada, onde me sentei enumeras vezes a ler, a estudar e a sonhar acordado... tinha uma vista sobre um jardim grande, pantanoso, cheio de sapos barulhentos, flores tropicais, palmeiras e bananeiras, o jardim não fazia parte da Mandala House, mas a vista era gratuita e estava por sorte frente às grandes janelas do meu quarto... negociei o preço do quarto, fui bem sucedido no negocio, um mês custa 6500B, cerca de 140 euros (aproximadamente), com limpeza do quarto dia sim dia não, colocando garrafas de água mineral incluídas no preço... fiquei satisfeito com este espaço, onde permaneci 7 semanas.

Nesse dia à tarde decidi ir à escola de Thai massagem ITM e ver se tinha sido uma boa escolha. Fazia um calor aterrador, sentia a sensação desagradável de boneco de cera a derreter lentamente a fogo brando, o ar estava pesado, como se de um momento para o outro arrebentasse nos céus uma dessa guerras de relâmpagos descarregando a sua fúria sobre as nossas cabeças... mas isso não aconteceu, o sol estava escondido detrás das nuvens e não havia brisa no ar. Deslocava-me num carro colectivo, com o nome toque-toque, apinhado de pessoas, que iam saindo e entrando consoante os destinos... e chegou a minha vez, o chofer bateu no vidro e apontou para a escola que tinha em letras garrafais escrito ITM, saí perguntei quanto havia que pagar e disse-me 40B... (até que uns dias mais tarde fui informado por uns colegas do curso que nunca se pergunta o preço e paga-se 20B, porque é o preço desse transporte colectivo...) dirigi-me à escola, onde fui bem recebido, gostei do espaço, da energia, e inscrevi-me em dois módulos, e se gostasse da formação faria as 6 semanas, mas primeiro queria testar a qualidade do ensino.

Era uma quarta-feira, os cursos começavam à segunda-feira, a caminho da minha habitação, havia uma pequena agencia de viagem ou coisa parecida, entrei consultei os preços e havia uma oferta de dois dias de viagem às redondezas, onde se podiam contemplar cascatas de água, floresta e visitar aldeias no interior norte do país com povos tradicionais e mulheres com pescoços grandes ornamentados com argolas sobrepostas em ouro, passeio de elefante, caminhada de 2 horas pela floresta de bananeiras e outras árvores de folha caduca que não me lembro do nome e terminaria com uma descida pelo rio em pequenas jangadas construídas de bambu. Acordei bem cedo eram uma 6 h, excitado pela aventura, estava uma manhã húmida, um céu cinzento-escuro, mas não chovia, essa estava guardada para mais tarde... às 7h apareceu uma carrinha cinzenta de nove lugares, nova, moderna era uma Mercedes, dentro havia um casal, saudamo-nos e seguimos num tur pela cidade, hotel em hotel até a carrinha ficar cheia, e seguimos para a aventura... o guia um jovem Thai, comunicativo, alegre, simples, que nos apresentou o itinerário, e seguiu-se a apresentação dos aventureiros desconhecidos, havia dois australianos de cinquenta e tantos, um casal gay, extremamente alegres e afáveis, o mais velho era enfermeiro e o seu par era dono de um bar de cor arco íris, junto a uma praia, num país onde o sol brilha todos os dias; havia duas alemãs, mãe e filha, reservadas, distantes e lindas; dois amigos israelitas, desconfiados, pouco sociáveis, mas ao mesmo tempo interessados por saber como vivem, como são os nativos daquelas terras verdes, encantadas, cheias de bananeiras e de flores atrevidas expondo sem pudor a beleza nua com que embelezam o mundo e deslumbram quem passa; uma espanhola encantadora, faladora, alegre e atrevida e por fim eu, silencioso, observador, e entusiasmado pela aventura...

A primeira paragem, foi numa cascata gigante, ruidosa, salpicando por todos os lados gotas de água e vapores frios, que sabiam tão bem, pois estava um calor de morte, e aquela sensação de cera derretida na cara, foi uma lufada de ar fresco e húmido refrescando os nossos corpos quentes e suados... havia no ar um cheiro a flores que não soube identificar, o grupo travava os primeiros contactos, para além dos que vinham juntos os demais éramos anónimos, desconhecidos, que nos encontramos por uma casualidade do destino, numa carrinha cinzenta, que nos transportaria juntos durante dois dias... o casal australiano divertido, foi quebrando o gelo, rimos, brincamos, até as frias alemãs haviam mudado o rosto semblante e branco por um ar mais cândido e a mais nova até apresentava uma cor rosada nas faces esguias... mas o momento mais brilhante foi a descida pelo rio ficamos molhados até aos cabelos pela água veloz e castanha do rio e pela chuvada desoladora que irrompeu sobre as nossas cabeças como cascata de água inesperada... rimos pelo ridículo, rimos pelas nossas figuras de pinguins molhados, rimos pelo prazer de rir... a última paragem foi a aldeia das mulheres de pescoços esguios cheios de ouro... a mim particularmente não me gostou, todos tiraram fotos, eu fiquei com aquela sensação de jardim zoológico, onde se vai ver os animais e oferece-lhes amendoins... estas senhoras de pescoços dourados são pagos pelo governo e vivem assim mostrando a quantos querem ver os sus pescoços longos e dourados, mas que mal se podem mover, baixar, ou virar a cabeça, bom é uma forma de sobrevivência e um chamariz turístico. Gostei da aldeia onde vivem as pescoçosas, casas de madeira, floresta, bananeiras, orquídeas, sapatinhos de cores e montanhas com contornos de corpos humanos adormecidos, templos budistas e a entrada do povo, dois bonecos tesudos de madeira para afastar os maus espíritos e dar pujança aos varões da aldeia. Regressamos à cidade, completos, exaustos, radiantes, próximos quase amigos, e despedimo-nos da mesma forma que nos conhecemos, na ronda turística a cada hotel despejando os seus hóspedes.

Nos dias seguintes fui explorando a cidade e os seus contrastes, o bairro que escolhera para viver ficava geograficamente bem situado, a vida da cidade, bares, discos, templos, mercados ficavam todos ali a volta a 5 -10 minutos a pé a Mandala House. Havia 3 caminhos vindos de sítios diferentes, dois deles das ruas mais turísticas, cheia de bares ingleses, casas de massagem, centros de thai boxe, saunas, lojas de roupa etc... mas o mais curioso havia a entrada de cada rua seca um grande templo budistas com cerca de 400 a 500 anos, bem antigos, talhados em madeira, coberta com lamina de ouro e dentro um imponente Buda, rodeado de alguns deuses menores.

De vês em quando, entrava num destes templos por volta das 7 da tarde, onde meditavam descontraídos, quatro monges, dois de idade entre os trintas e outros de tenras idades entre os 14 e os 16 anos. Sentados junto ao Buda entoavam os mantras, manejando as malas de madeira, uma espécie de rosário, na parte de traz dormiam dois cães de aspecto ameaçador, que me rangeram os dentes, quando me sentei junto as grandes portas, despertando a atenção destes quatro monges vestidos de cor de trigo queimado pelo sol. As idas ao mosteiro foram-se repetindo à mesma hora, para me reconciliar comigo e com o mundo, para desabafar e repensar a minha vida, para silenciar a mente e porque em falta de igreja, este templo era o mais parecido aos templos onde me desenvolvi e aprendi a falar com Deus, os cães foram ignorando-me e já nem a cabeça levantavam quando eu entrava...

Chegou a segunda-feira e apresentei-me na escola, cedo, como no primeiro dia que entrei na universidade há muitos anos a traz alegre e motivado. Começou a aula com uma hora de yoga, comandada por um CD, explicando os exercícios e um professor mudo exemplificando, achei aquilo tão ridículo que paralisei foi a 1ª e a última vez que coloquei os pés naquelas aulas, que se repetiam diariamente... seguiu-se a primeira aula teórica, depois do comité de boas vindas e das apresentações dos professores e dos alunos, gostei da forma simples de explicar era fácil de acompanhar tirar notas, e depois reproduzir os ensinamentos, porque a seguir à aula teórica havia aula prática e depois tempo para treinar o aprendido...

No terceiro dia de aulas por volta das 11h, estava em plena prática, ouvi o meu nome soar pelo ar com um tom que conhecera, mas que não identificara e soou uma vez mais - Luis... - com um tom de admiração e de conhecimento, num português perfeito, coisa que já não ouvira durante muitos meses, levantei a cabeça e tentei reconhecer a figura, calma e sorridente que se apresentava perante os meus olhos, então vi o meu amigo Nuno Miguel. Fiquei espantado e sem jeito, não esperava por esta surpresa que o destino quis traçar... sorri, abracei-o e fiquei feliz em velo, havia pelo menos três anos que não sabia da sua vida... informou-me que iria fazer o curso de teacher training, de 6 semanas, naquela mesma escola.

Fiquei feliz por ver um amigo de longa data, naquele sítio inesperado. Conto-me que tinha estado alguns meses na China, numa espécie de mosteiro escola, onde desenvolvera ou aperfeiçoara as técnicas de Tai Chi Chuan e Chi Kung.

Conheci o Nuno Miguel em 1999, num grupo de oração Taizé, na paróquia de São Tomás de Aquino, nas Laranjeiras em Lisboa. Eu tinha acabado de chegar de Espanha, onde tinha feito os estudos eclesiais e me tinha tornado frade da Ordem hospitaleira de São João de Deus. O convento ao qual pertencia ficava nesse mesmo local dos encontros de Taizé (movimento cristão situado em França e espalhado pelo mundo) e tínhamos amigos em comum. Nessa altura tinha desenvolvido o gosto pelas medicinas alternativas, pelas técnicas de desenvolvimento pessoal Bio Energética, aprendida em Espanha e o Nuno Miguel, um ser espiritual, na busca do seu auto-conhecimento, participava activamente nos encontros de meditação de Taizé, e ao mesmo tempo era Mestre de Reiki. Foi a primeira pessoa a quem ouvi falar desta técnica. Lembro-me da sua história... era um rapaz bem sucedido no seu trabalho de engenheiro, numa importante empresa da cidade dos corvos, respeitado entre os seus pares, inteligente no seu oficio, vida ajeitada... até ao dia que decide dar uma volta de 90º deixando o seu lugar seguro de engenheiro, o seu carro confortável e decide começar do zero, estudando Medicina Tradicional Chinesa na Baixa Lisboeta. Foi uma volta grande, creio que não fácil... mas a sua determinação, coragem e inteligência tornaram-no em Dr. de Medicina Chinesa e professor na escola que lhe ensinara o ofício. É um ser peculiar, de pele clara, assim como os seus cabelos e olhos, parece um ser divino ou um anjo em forma de homem, que contrasta com o sorriso matreiro, picardia, sentido de humor que o tornam numa pessoa agradável e um despedaça corações da mulherada que por ele se encanta. Tenho tão boas recordações daqueles tempos que no tempo estão, do grupo a que lhe chamamos 4 bios (bioenergética, bio danza, bio massagem, e bio síntese), dele fazia parte a Neusa, algarvia de gema, alegre, criativa, espiritual, artista, na altura o seu namorado o Hugo, simples, forte, divertido - agora marido; a Márcia irmã da Neusa, bonita, prática, decidida, sensual; o Gonçalo, divertido, animado, autroista e o Nuno. Reuníamo-nos na casa de S. João de Deus na Praia Grande, e aí passávamos o fim-de-semana em árduo trabalho de bioenergética, soltando as amarras do passado e reconciliando-nos com o presente... foram bons tempos...

Na terceira semana conheci outra tuga na mesma escola, uma amiga do Nuno Miguel, a Joana. Simpática, aventureira, elegante, portadora de uma beleza silenciosa e encantadora, comunicativa... compartilhamos o mesmo gosto pela escalada, foi bom estar entre gente da nossa terra, conversar, tomar café à porta da escola, trazendo à memoria um ritual tão nosso como a saudade...

Apesar de gostar do curso de ter decidido fazer a 6 semanas de teacher training em Thai Massagem, estava cansado da Tailândia... as pessoas que me pareciam amáveis quando aterrei nestas paragens na verdade, não o eram assim tanto. A simpatia era de etiqueta... raramente riam e não criavam amizade tão fácil, havia um interesse comercial nisto tudo. Eu habituei-me a uma rotina diária para dar algum sentido a minha existência, sentia-me triste e com enorme saudade da Índia, dos amigos, de gente alegre e que nos tratem bem... de manhã escola de massajem, à tarde estudar e treinar durante duas horas, seguia até à gym local, bem equipado e por 10 euros por mês, num hotel de 4 estrelas, terminava de treinar ia receber uma massagem thai ao sitio de sempre, alternando de terapeuta, havia escolhido dois, uma senhora de 50 anos, formosa em carnes, mas com um poder nos dedos de desfazer os nódulos mais profundos que a minha existência foi adquirindo e depositando nos músculos das costas como registo de vivência parecendo uma fita magnética onde tudo fica registado. O outro era um terapeuta de uns 28 anos que era especialista em alongamento dando ao meu corpo um pouco mais de flexibilidade.

No dia 21 de Setembro, Domingo, acordei com a sensação de que algo importante acontecia nesse dia e lembrei-me que era o aniversário da minha prima Teresa, por quem tenho um carinho especial como de um irmão. Pensei nela, fiz uma pequena oração para que fora protegida e colmada de boas coisas espirituais... é um ser especial, embora ela nunca tenha tido tempo suficiente para descobri-lo, tem passado a vida toda a cuidar dos outros, do marido, da filha - mulher feita e encantadora, dos pais que foram adoecendo e envelhecendo, criando algumas dependências e necessitando ajuda... é conhecida por todos os adolescentes da terra pequena e com nome de arvore (Teixoso), pois educo-os desde tenra idades, com carinhos, afectos e alegria, na terra pequena é conhecida, foi primeira dama durante alguns anos, pois o seu marido foi Presidente da Junta de Freguesia, mas com estas coisas todas, foi-se esquecendo dela, mergulhando num silencio este que nos deixa esquecidos por dentro pelo tempo, mas eu sempre achei e continuo a achar que há um manancial de sabedoria por descobrir, que perece apenas de uma oportunidade... Contudo continua a ser uma mulher bonita, humilde, tímida, simples, que se deixa derrotar pelas partidas da vida... até ao dia que as enfrente agarrando com bravia o "touro pelos cornos"... nesse dia falei com ela, pois já não o fazia a umas largas semanas, fiquei feliz por ouvir a sua voz e de saber que estava bem, ao mesmo tempo desencadeou um desparrame de perguntas sobre mim, ouvira noticias de cheias, de bombas, mas eu estava bem e transmiti-lhe para que não se preocupara... para mim esta conversa foi uma brisa suave, que me deixou alegre por dentro...

ITM é considerada uma das melhores escolas do país, ali semanalmente entra dezenas de alunos, é uma galinha de ovos de ouro... certo que nem todos fazem o curso de professor, mas ficam uma ou duas semanas, aprendem a técnica e seguem rumo às suas vidas. Por alguns momentos fiquei incomodado com todo este ambiente, de fazer dinheiro, pressentia alguma injustiça no ar. Os professores eram simpáticos, afáveis e de fácil trato, criando alguma cumplicidade e carinho entre nós. Pouco a pouco fui sabendo das suas vidas, nada fáceis, os salários pagos pela escola eram apertados, nada mais que 7000B ao mês, cerca de 150 euros, quase todos eles tinham segundos empregos, após as cinco da tarde e do fecho da escola iam trabalhar em spas e casas de thai massagem, porque o dinheiro é escasso e os sonhos muitos... ao fim de semana uns trabalhavam numa espécie de quiosque onde vendem fruta fresca, outras num cabeleireiro e uma delas vendendo bugigangas num mercado da cidade... às vezes pensava com tanto dinheiro que entra naquela escola poderiam melhorar a vida destas boas gentes, que nunca reclamam, mais vale o seguro do que o inserto...

Na verdade, as melhores massagens thai que recebi foram dadas por dois professores da escola de ITM e pude sentir o efeito durante alguns dias e um relaxamento nos músculos...

Do meu grupo inicial de 15 estudantes ficamos 5 e criou-se uma certa cumplicidade. Saíamos juntos às festas, bares, às vezes embora não muito frequentemente a jantar, mas sim a dançar e rir e desfrutar do prazer de estarmos vivos... o que foi muito agradável.

A última semana do curso foi intensa e trabalhosa, tinha imenso trabalho que fazer, um questionário com nove longas perguntas, que tinha que desenvolver e faziam parte do meu exame final, além disso tinha que treinar todos os dias as técnicas aprendias, porque na quinta-feira dia 25 de Setembro, tinha o exame final que era prático e que não poderia errar... tudo correu bem e a avaliação foi muito boa... fiquei mais descansado e retirei um peso de cima...

No último fim-de-semana que estive em Chiang Mai, saímos todos juntos, alunos de todos os níveis (correspondendo a semana de estudo I ao IV), e fomos ao bar de sempre, era o ponto de encontro. Aí estava também o João outro lusitano amigo do Nuno Miguel e da Joana, que estudava Thai massagem numa outra escola, um tipo boa onda, sereno, galã tinha a mulherada enamorada, divertido, bom conversador e segundo a Joana um grande profissional como terapeuta em massagem, reconhecido por muitos e estudante de Medicina Chinesa. Ele desapareceu, segui outros caminhos essa noite. O grupo que havia terminado o curso, ah... havia um grupo mais avançado que tinha feito o curso de 11 semanas tornando-os especialistas em Thai massagem e que foram finalistas na mesma sexta-feira que eu... então celebramos todos juntos... a seguir ao bar de sempre, Alex, uma germana, doce de olhos azuis, e cabelos de cor de luz doirada, sugeriu ir-mos todos a disco Mandalay, era uma disco gay, enorme, com várias pistas, depois de fintarmos os porteiros para entrar sem pagar, fomos ao piso cimeiro onde não havia ninguém para além Dj de um barman e do nosso grande grupo uns vinte e tantos (mais raparigas do que rapazes)dançamos, bebemos, rimos, até a bebida fazer efeito e descermos ao piso térreo repleto de homens thai, bebendo Whisky, comprado no supermercado(porque é pratica aceite entrar nas discos com uma garrafa de whisky), misturado com Coca-Cola e água tónica, eram algumas centenas deles, subimos ao palco e os estudante de Thai dançaram ao ritmo da música e da criatividade de cada um, observados por esta gigantesca sala de homens que nos seus sítios se moviam ao som da musica... já ao tempo que não me divertia tanto e bebera tanto que no dia seguinte parecia que havia engolido uma pedra de granito e balanceava no meu estômago e poliam as minhas entranhas...

É um facto que na Tailândia para além de existirem muitos homossexuais, ou seja gays e lésbicas, há uma outra realidade que nunca tinha visto em tanta abundância eram os ladyboy, homens em corpo de mulher ou mulheres em corpos de homem, são imensos e estão por todas as partes como bem inseridos na sociedade, pelo menos aparenta. Junto ao sitio onde pernoitara a uns 300m era o ponto de encontro nocturno destas pessoas que viviam em dois corpos parecendo só um... sempre que regressava do gym e depois da massagem fazia sempre o mesmo trajecto, por ser o mais curto e porque o cansaço se apoderara dos meus músculos, caminhando lento como um sonâmbulo, nesse mesmo trajecto, por vezes parava a beber um sumo natural de mango, ou laranja os meus favoritos, ao lado do bar e a essa hora estava sempre o Roy (um ladyboy) simpático, que se metia comigo e me oferecia constantemente uma massagem thai, porque ao lado do bar estava casa normal de massagem, eu ria com os disparates que dizia e achava piada aos tons de voz femininos no inicio terminando a palavra com finalização masculina... tinha um corpo perfeito, definido, uns seios que pareciam duas maçãs gigantes rijas, as curvas dos glúteos eram extremamente femininas e calçava um sapatos grandes com uns saltos gigantes e finos, que admirava como se podia manter alguém em equilíbrio... cheirava a mulher, pois usava um perfume intenso perceptível a meio km... nunca recebi uma massagem sua, não por ser preconceituoso, mas porque me dava medo aquelas unhas grandes que saiam dos dedos das mãos, pintadas com flores e borboletas... um desses dias, ele estava mais sentimental e desabafou, após a minha pergunta estúpida, se se sentia homem o mulher... parou como surpreendido, olho-me nos olhos sem expressão, nesse momento senti-me estúpido, e depois respondeu com clareza: - eu nasci homem, mas sempre me senti mulher, sempre tive gosto pelos perfumes e maquilhagem, roupas, sapatos... e perguntei-lhe uma vez mais: - como te sentes nesse corpo? Respondeu: - Sinto-me mulher por dentro, penso como mulher e gosto de sentir-me mulher, embora num corpo diferente... apareceu um cliente e ele(a) foi para dentro... nesse momento senti-me triste e fiquei a pensar de como difícil deve ser nascer num corpo que aprisiona a alma, onde os protagonistas não se identificam com o que vêem e tendem a mudar, por vezes ridicularizados aos olhos da sociedade... depois do sumo fui dormir....

No Domingo, 28 de Setembro, tive que sair da Tailândia para renovar o visto. É uma prática simples e organizadas pelas agencias de viagem, que para o feito tem carrinhas de 9 lugares, a que chamam táxis e fazem um recorrido turístico, visitando alguns monumentos, natureza até que se chegue à fronteira Myanmar (Bruma) para proceder à renovação do visto. O passeio é bem organizado, visita-se umas fontes de água quente numa gigante explanada comercial, onde se toma o pequeno almoço, com um cheiro repartido pelo ar de enxofre vindo das profundezas da terra, após a paragem de 30 minutos seguimos rumo ao Templo Branco, um mosteiro budista, de largas dimensões, de cor branca e envolto com pequenos espelhos reluzindo a luz do sol, cheio de grandes dragões, em cima de um lago de água, com um corredor como se fosse a garganta de um dragão finalizando na boca de dentes grandes e com os olhos de um cordeiro piedoso, no meio o templo fechado em quatro paredes brilhantes e no seu interior um dourado Buda de proporções modestas, com um sorriso de paz... fiquei deslumbrado com tanta beleza arquitectónica e com sentimento de paz que o branco brilhante me transmitia, como na minha infância radiante pela brancura da neve que cada Inverno me fazia sonhar, numa terra linda no sopé da Serra da Estrela... o percurso continua desta vez com destino ao Triangulo (The Golden Triangle), onde se juntam os três países numa ilha no meio de um gigante e feroz rio vindo da China, Laos, Bruma e Tailândia, é um sitio simpático, envolto numa verdejante floresta de perder de vista, com reflexos dourados reflectidos pela luz do sol vindos do verde profundo, onde estão mosteiros budistas plantados. Este sítio é conhecido pela rota do ópium. Em Laos o consumo desta droga não é ilegal, mas também não é legal, é fácil de adquirir o néctar das grandes papoilas... segundo o guia, quando os turistas pisam Laos aparece uma quantidade de vendedores de opium, que tentam a sua sorte vendendo as suas papoilas... mas isso só acontece de Dezembro até Fevereiro, época destas flores... a entrada destas na Tailândia é ilegal, com direito a prisão, segundo o guia há vários estrangeiros presos por serem apanhados com o néctar das papoilas robustas...

E por fim a fronteira, Bruma, saímos após o preenchimento rápido da papelada e entramos num outro país, mais pobre por sinal, mas que as pessoas tinham exactamente as mesmos características, não se percebia a diferença porque esta não existe, existe sim, uma fronteira criada pelos homens... mas o surpreendente de Bruma ou Myanmar, é que tudo é mais barato, os mesmos produtos passando a fronteira reduziam a metade do preço... e a oferta era mais variada... é um país com contornos paisagísticos e arquitectónicos muito idênticos à Tailândia, é também um país Budista... após 3 horas de visita a este país era tempo de voltar a Chiang Mai, com o novo visto, numa longa viagem cheia de coisas novas que perduraram na memoria...

Fiquei em Chiang Mai mais três dias para descansar do curso de thai massagem que foi muito intenso, mas ao mesmo tempo rico em conhecimentos e fiquei apaixonado por esta técnica que já não era novidade para mim, pois toda ela vem da yoga massagem e do marma massagem oriundas da ayurveda. No ano 300 ac, o imperador Indiano Ashoka, após ter cometido enumeras barbaridades militares, contra os povos vizinhos um dia perante a água cristalina de uma fonte viu a sua imagem reflectida na transparente água, como se tratara de um espelho da alma e teve um susto a olhar-se nos próprios olhos reflectidos, enchendo-se de pena dele próprio, e tomando consciência da sua crueldade... procura mestres espirituais para que o ajudem a superar as feridas da alma, até que conhece um monge budista, e inicia a prática do budismo, transformando o seu reinado que outrora fora de violência, intolerância, medo, dor, em compaixão, em harmonia... oficializando o budismo como religião oficial da Índia. Nessa época a ayurveda era praticada pelos védas, bramanes, que com a ordem do imperador se fundiram nos mosteiros budistas e o ensinamento ayurvédico passa a ser prática obrigatória nos mosteiros... o imperador convertido, ordena que os monges deveriam ir por outros países a divulgar a filosofia budista... assim foi... da Índia ao Nepal, China, Bruma, Tailândia, Coreia, Japão... levando os ensinamentos budistas e também os conhecimentos ayurvédicos, que se foram tornando medicina nesses países e a partir dessas técnicas desenvolveram outras... No caso da Tailândia, fui idêntico aos outros países, no entanto sabe-se um pouco mais, entre esses monge ia um médico ayurvédico com o nome de Jivaka Kumarabhacca, que reproduziu as técnicas hoje conhecidas como thai massagem ou thai medicina, como réplica da medicina ayurvédica... enquanto na ayurveda existe yoga massagem, consistindo nos alongamentos e a marma massagem, pressionando nos 107 pontos energéticos e trabalhando os meridianos, a thai massagem mistura tudo numa só massagem, tornando-a uma técnica agradável e completa.

Na quarta-feira dia 1 de Outubro segui em comboio para BKK. Foi uma viagem de 14 horas, iniciando às 16h e chegando ao destino às 6h do dia seguinte. Apanhei um táxi para a Guest House, onde havia ficado na minha primeira semana que cheguei a este país... o taxista perdeu-se várias vezes e a cada minuto o custo do táxi aumentava, não entendi se se perdia por não saber o caminho ou por fazer render umas coroas... após uma hora e 20m chegamos ao destino... e segue a outra surpresa... a recepcionista tinha-se esquecido de reservar o quarto, quando eu lhe telefonei de Chiang Mai a cinco dias antes, tinha-me garantido vaga... não tinha começado o dia bem, mas como estava ensonado e cansado da viagem de comboio durante toda a noite, não tive energia para reagir... aconselhou-me outro sitio um pouco mais caro mas que estava ali ao lado, lá tentei a minha sorte... aparece uma senhora de 40 e tantos anos, tesa como um carapau seco, olho-me de cima a baixo e a primeira coisa que me disse foi que tinha que pagar primeiro antes de ir para o quarto, e tinha que deixar uma caução de 1000B que me seria entregue no momento de check out. Ainda adormecido e abismado com a hospitalidade pedi-lhe se podia primeiro ver o quarto, a resposta foi positiva, mas para o efeito tinha que deixar o passaporte e a bagagem com ela... assim o fiz, vi o quarto que ficava no 6º piso, era grande, limpo, tinha ar condicionado, televisão e uma enorme janela com vista para a cidade, pelo custo de 3.5 euros noite e decidi ficar... seguiram-se as recomendações, - não mais de três pessoas no mesmo quarto, silencio depois das 23h e mais bla..bla..bla... o dia não estava a correr nada bem, mas estava contente pelo quarto que se apresentava confortável...... tomei banho, mudei de roupa, apanhei o autocarro 22 e fui a embaixada da Índia... que estava fechada por ser dia de festa neste país que estava longínquo, mas presente no meu coração... mais uma frustração para um dia que tinha despertado à poucas horas... regressei ao quarto dormi um pouco, depois fui comer umas frutas frescas... na Tailândia a fruta é divina, fresca, variada, linda... a minha favorita é fruta dragão, de cor rosa parecendo uma cabeça de dragão pequena, saborosa e suculenta... depois dirigi-me a uma agencia de viagem com bom aspecto exterior, para averiguar os preços de viagem para a Índia... dentro estavam duas pessoas uma rapariga magra e sombria que nem sequer levantou a cabeça e um tipo grande e volumoso que se dirigiu a mim sem qualquer simpatia comercial, perguntando o que queria... e expliquei a minha situação - vou para a Índia, mas estou a espera do visto, não sei qual o dia que irei porque isso depende do visto, cria só saber os custos da viagem e se possível para dois destinos diferentes: Kolkata e o outro Delli... sem qualquer entusiasmo, telefonou para não sei onde e deu-me um valor de 7000B. Depois eu perguntei-lhe se era para Calcutá ou para Delli o que não me soube responder e por azar não soube intuir a mal disposição deste homem grande e perguntei de novo - qual é a companhia: Air Índia ou Jet air line... a resposta foi demolidora, não sei... e vai-te embora, não gosto de ti, isto de vir perguntar preços e não comprar e disse qualquer coisa em thai que imagino que não fosse nada simpático e expulsa-me a gritos da agencia, reparei que a sombria rapariga não havia levantado a cabeça e que a vizinhança na rua nem olhou perante a gritaria louca... meu deus, que dia de desgraça... mas o prato quente ainda não tinha sido servido e o pior estava ara vir... derrotado por tantos contratempos decidi ir receber uma massagem e relaxar e esquecer esse dia terrível, fui a um spa onde houvera já estado na primeira semana em BKK... decidi receber uma massagem com óleos essenciais e até já tinha escolhido as essências para relaxar (alecrim, rosmaninho e sândalo). Á entrada havia 5 ou 6 terapeutas à espera de cliente... um rapaz acompanhou-me, deu-me a lista e escolhi a massagem referida, subi ao piso cimeiro e passado 5 minutos vem o patrão a dizer-me que essa massagem não podia ser porque o espaço estava ocupado e que escolhera outra, mas que me aconselhava thai massagem, aceitei... fui a casa de banho que fica ao lado da sala de massagem de óleos essenciais, assim o tinha escrito na porta, e reparei que estava vazia... pensei talvez não tenham os óleos escolhidos... veio o terapeuta e acompanhou-me a sala de thai massagem uma quantidade de cómodos quartos bem decorados e relaxantes... troquei de roupa no último quarto porque os outros estavam ocupados... nesse estava um gigante aparelho de ar condicionado, para além do barulho do motor o frio era desagradável e pedi ao terapeuta de podia mudar de sitio e contestou que os outros estavam ocupados, pedi-lhe uma toalha para me tapar e ele foi buscar... demorou uns 5 minutos e em vez dele veio o patrão que me chamou à parte central do spa, para não incomodar os outros clientes, pensando eu, que me ia colocar noutro espaço e diz-me: - tens que pagar primeiro a massagem... olhei para ele com ar de surpresa... a minha reacção foi - porque? Todos pagão à saída e na outra vez que aqui recebi a massagem paguei à saída, ele pôs-se agressivo e a gritar... o hall estava cheio de terapeutas e um ou outro cliente que acabara de entrar... senti-me humilhado e mais uma frustração para um dia repleto delas... fiquei sem espírito de animo para receber a massagem, retirei-me, vesti-me e ao sair dei 100B ao terapeuta que estava tão assustado quanto eu e fui desaparecendo entre a multidão em direcção ao meu quarto... olhei-me ao espelho para saber se estava com cara de terrorista ou coisa parecida... senti-me triste por dentro e com saudades enormes da Índia, das pessoas, da musica, da alegria, onde nunca fui mal tratado como neste país onde o budismo se mistura com crenças e outros deuses, com superstição, onde ao lado do Buda está o ganish e adoram o Buda e os deuses hindus sem saber nada deles...

Na sexta feira dia 3 de Setembro, fui de novo à embaixada e aí com sucesso obtive o visto e já estava preparado para regressar a Índia... a caminho do quarto entrei noutra agencia e fui atendido por uma jovem thai, sorridente, linda e simpática que consultou o site onde aparecem todos os voos e informou-me que estavam muito caros, para Kolkata 7.000B e para Delli 13.500B, era o dobro quase o tripulo do que paguei quando vim de para esta cidade... olhou-me e viu que fiquei surpreso e em silêncio... e escreveu num papel cor café com leite em letras azuis, um site e sugeriu-me que o consultara porque vão aparecendo lugares de última hora a custos mais em conta... sorri-lhe e agradeci-lhe e fui ao ciber de sempre, aquele que tem os bancos confortáveis... e entrei no site e de facto havia dois voos com valores mais baixos para o dia 8 de Outubro, um para Calcutá por 4.980B e outro para Delli a 8.200B... fiquei indeciso sem saber que destino seguir... saí do ciber e fui caminhar, como se quisesse colocar as ideias em ordem... pensei em Calcutá e as recordações desta cidade não eram as melhores, estive por lá 4 dias antes de ir para a Tailândia e não gostei da cidade, nem das gentes daquela terra... mas tenho uma boa recordação, um dia recebi um e-mail do Mário Bernardes, marido da Tania, que se encontrava a trabalhar em Kolkata e por coincidência dos destinos eu também estava nessa cidade, para apanhar o avião para a Tailândia, decidimos encontrar-nos para tomar um café e falar um pouco em português, foi do dia 2 de Agosto, dia do meu aniversário... encontramo-nos no café mais tradicional da cidade e seguimos para um outro que tinha um café italiano saboroso... ficamos bastante tempo a conversar e fomos jantar a um restaurante Japonês numa das rua movimentadas da cidade... foi uma boa forma de celebrar o aniversário ao qual já não dou importância... o Mário é um ser pacato, calmo, observador, educado, sensível ao meio que o rodeia e está casado com um ser meio anjo meio pessoa que é a Tania... que tem a capacidade de reter e valorizar o que há de mais positivo nas pessoas, é solidária, enfermeira de profissão e tende a melhorar o mundo com o seu esforço e voluntarismo gratuito... é a melhor recordação que tenho de Kolkata... depois fiz contas a vida e lembrei-me que teria que pagar 1500rp de comboio para Delli e deveria pernoitar uma noite na cidade da Madre Teresa o que acabaria por ficar mais caro e decidi comprar o bilhete via net para Delli...

Ainda fiquei 3 dias em BKK, visitei alguns monumentos que não tinha tido oportunidade de visitar... pateei ruas e de repente fiquei observar a rua do meu hotel, não me tinha apercebido da sua variedade de culturas, indianos em cada esquina e uma grande comunidade de iranianos, com os seus restaurantes cheios de sabores e cheiros daquelas paragens... entrei num desses restaurantes com o nome Iran, comi falafel, queijo, acompanhado de azeite e azeitonas, panner... e observei aquela cultura então desconhecida para mim... por um momento viajei até Xabregas ao Centro de Acolhimento para sem Abrigo onde trabalhara como Gestor... não encontrei diferença... que cultura tão igual, falam alto, cospem para o chão, discutem, fumam desalmadamente, raspão os tintins, palito nos dentes, bigodes... olhava-me como um igual e por uma vez ao outra falaram-me em iraniano...

Depois de comer fui caminhar um pouco e decidi receber por última vez uma massagem thai, dirigi-me ao centro de massagens na rua de Silon, entrei e caminhei até a recepção onde estava sentada uma mulher de 30 e tantos anos, simpática, esboçou um agradável sorriso e perguntei-lhe se tinha que pagar antes, ela sorriu uma vez mais e disse-me que era prática da casa receber depois da massagem, como em qualquer centro de massagens, murmurei que não era bem assim e contei-lhe a história, ela riu-se achou piada e por fim explicou-me, no final do mês de Agosto e inicio de Setembro, houve em BKK enormes manifestações políticas... nessa altura estava tudo confuso, muitos indianos e iranianos entravam nos spas recebiam a massagem e depois fugiam sem pagar e como tu pareces indiano e também iraniano, talvez por isso quiseram receber antes para se protegerem de mais uma possível burla... sorri e entendi, paga o justo pelo pecador... e o meu ego foi-se desfazendo da mágoa daquele dia negro...

Chegou o dia 8 de Outubro, segui em direcção ao aeroporto, com uma sensação de felicidade por regressar à Índia, depois dos transmites todos, os normais do aeroporto, check in etc. Já dentro do avião da Jet Air Line, sentei-me num simpático lugar junto da janela como correspondia ao meu bilhete, de repente vejo vir um gigante indiano, grande em tamanho, mas muito mais grande em carnes e pensei... deus queira que este não se sente ao meu lado... e saiu-me o tiro pela culatra, sentou-se ao meu lado e espalmou-me contra a parede do avião... nesse momento a colaboradora dessa companhia indiana, sorriu e disse-me que me poderia mover para o banco da frente porque estava vazio, embora no lado oposto à janela aceitei ... e o voo correu bem.

A chega a Delli.

Assim que saí do avião e coloquei os pés em terra firme, eram umas 9 horas da noite, estava uma temperatura de 30º, assim o haviam anunciando no avião antes de aterrar, no ar estava um cheiro fétido de queimado e de lixo apodrecido, esquecido num canto qualquer... já me tinha esquecido disso... depois do departamento de emigração, de ter a bagagem dirigi-me para a entrada da saída para ir zona dos táxis pré pagos... havia uma enorme multidão silenciosa com cartazes nas mãos, com nomes, amontoados uns em cima de outros, do lado direito estavam um grupo de indianos, muçulmanos, vestidos de branco, amontoados, com a "boina" arrendilhada e branca na cabeça assim como as vestes longas, essa visão fez-me lembrar uns rebuçados de cor de açúcar torrado revestidos de papel branco tosco que se vendia nas feiras e festas da terra com nome de árvore no sopé da Serra da Estrela... adorava esses rebuçados caseiros e sempre que penso nisso, lembro-me que por comer tantos, um dos meus dentes molares ficou com um buraco negro que me provocava umas dores terríveis passando noites sem dormir... a minha avó levou-me ao médico da pequena vila, um homem de quase oitenta anos, mas activo no seu oficio e decide arrancar-me o dente, ainda me lembro hoje deveria ter 7 anos, foi uma dor tão forte, tão insuportável que pulei gritei até que me arrancou o dente e no final apercebeu-se que se tinha esquecido de me administrar a anestesia... coisas do passado longínquo...

Estava feliz por estar de novo em Delli e lembrei-me da primeira vez que aqui cheguei vindo de Lisboa, viajava com a Odete, eu não tina feito grandes planos para a viagem, vinha com muita curiosidade por esta cultura e para fazer uma prospecção às escolas de medicina ayurveda porque a oferta era tanta e havia que escolher uma boa escola... nessa primeira vez que aterramos, já bastante tempo a traz, fiquei completamente desolado e assustado, tudo era desorganizado, havia lixo por todos os lados, um batalhão de taxistas oferecendo os seus serviços, uma multidão dormindo pelo chão, um cheiro fétido a urina e a outras eliminação próprias dos seres humanos... meu deus... que visão do inferno, pensei... a Odete estava mais habituada a viajar, tinha mais alguns anos que eu e a vida estável que lhe permitia ir pelo mundo... ela sugeriu dormir no aeroporto na sala de espera, na parte de dentro, fomos visitar a sala passando por um patamar cheio de gente dormindo pelo chão e nesse momento sugeri a Odete que fossemos para um hotel qualquer na cidade pois deveria haver muitos, eram talvez uma da manhã... contrariada decidiu ceder ao meu pedido e lá fomos... apanhamos um táxi à entrada do aeroporto e a Odete sugere ao taxista mafioso um sitio com o nome Manjnu-Ka-Tila, onde ficava Potala House e a comunidade tibetana em Delli, este diz que sim e lá fomos, demos voltas e voltas até parar numa agencia de viagem dessas que estão organizadas para enganar os turistas... e ali estivemos horas a fio até nos sugerirem um hotel manhoso, caro, só me lembro do ar condicionado que ao carregar o botão se desmontou por completo... a Odeta estava furiosa comigo, pois tinha sido minha ideia ir procurar um hotel qualquer na cidade para no dia seguinte à luz do dia procurar um sitio mais seguro... no dia seguinte, viajamos pela cidade, visitando monumentos, ruas... detestei esta cidade e estas gentes, o barulho o tráfego louco... o cheiro a poluição... hoje amo esta cidade, foram tantas a vezes que por aqui estive que me habituei a sua rotina e ao seu encanto... muitas coisas foram mudando, no aeroporto, já não se vê aquela a quantidade de taxistas a tentar enganar os turistas... foram tantas as queixas dos turistas que o governo colocou policiamento para impedir os burlões e abriram dois quiosques de táxis pré pagos controlados e fiscalizados pela polícia...

Apanhei um táxi pré pago e seguimos para Connaugtht Place, onde à um mês arrebentara uma bomba caseira... gosto desta área fica no centro da cidade, rodeado de grandes jardins, de uma zona comercial subterrânea, onde se vende de tudo e, e uma zona de comercio de luxo na superfície, para além de ficar junto à estação de comboios e autocarros, é um pondo de chegada e de partida... fiquei no sitio de sempre Blessings House, pois está bem situado, perto da estação de comboios e autocarros, e o preço é acessível dormi uma noite e no dia seguinte segui para Dharamsala- Bhagsu onde me encontro feliz e a descansar de larga viagem...

Já tinha saudades destas montanhas a tocar o céus, após uma viagem de 13 horas num autocarro velho, apinhados sem nos podermos mexer... ia sentado ao lados de uma senhora francesa de uns 60 e tantos anos... conversamos até que nos rendemos pelo sono, acordei deveriam ser umas 4 da manhã, e lembrei-me dos meus colegas de curso de ayurveda que estivemos juntos 4 meses, tinha saudades dele, mas que estavam longe, em outras partes do globo... cheguei por volta das 7 da manhã. A pequena vila a 2300mt de altitude, ainda adormecida, mas com sinais de vida... à chegada encontrei o Kamal um amigo de 25 anos que tem uma pequena frutaria e que me ajudou com a bagagem depositando-a na escola da ayurveda...

E depois foram aparecendo outros amigos e conhecidos curiosos pelas aventuras e sobretudo pela Tailândia, sentados no Café Gipsy Kings a beber o típico Chai quente, fomos conversando durante umas horas...

Aqui estou numa casita na montanha, a descansar, a caminhar pela natureza a praticar yoga e planear a viagem... porque com o mau tempo das semanas a traz, fez com que os alunos da escola de ayurveda tivessem que abandonar os estudos e retoma-los mais tarde em Kerala, onde me juntarei a eles dia 10 de Novembro....

Um forte abraço a todos deste lado do mundo... Acho que por hoje chega....

Luis Filipe Tavares