20/10/2008

Cheguei bem cedo a Chiang Mai, por volta das sete da manhã, era ainda uma cidade adormecida, que se levantava da bruma da noite, e tinha lido no lonely planet, que havia uma zona chamada nigth Bazar, e aí havia um quantidade de ofertas de guest house a preços mais em conta. Com a mochila às costas andei pelas ruas ainda vazias, e com um mapa na mão, que no avião havia assinalado as ruas e os sítios para dormir, fui entrando e saindo das guest house, comparando os preços, as ofertas, o silencio, a qualidade, a hospitalidade a energia, a beleza... até que dei com Mandala Hause (www.mandalachiangmai.com), extremamente bem situada, como se tivesse no coração da cidade, dentro de um pequeno bairro, silencioso e bonito, gostei do quarto, de cor de ovo com os moveis cor de carvalho envelhecido, com uma gigante cama, uma televisão, uns cadeirões a entrada, onde me sentei enumeras vezes a ler, a estudar e a sonhar acordado... tinha uma vista sobre um jardim grande, pantanoso, cheio de sapos barulhentos, flores tropicais, palmeiras e bananeiras, o jardim não fazia parte da Mandala House, mas a vista era gratuita e estava por sorte frente às grandes janelas do meu quarto... negociei o preço do quarto, fui bem sucedido no negocio, um mês custa 6500B, cerca de 140 euros (aproximadamente), com limpeza do quarto dia sim dia não, colocando garrafas de água mineral incluídas no preço... fiquei satisfeito com este espaço, onde permaneci 7 semanas.

Nesse dia à tarde decidi ir à escola de Thai massagem ITM e ver se tinha sido uma boa escolha. Fazia um calor aterrador, sentia a sensação desagradável de boneco de cera a derreter lentamente a fogo brando, o ar estava pesado, como se de um momento para o outro arrebentasse nos céus uma dessa guerras de relâmpagos descarregando a sua fúria sobre as nossas cabeças... mas isso não aconteceu, o sol estava escondido detrás das nuvens e não havia brisa no ar. Deslocava-me num carro colectivo, com o nome toque-toque, apinhado de pessoas, que iam saindo e entrando consoante os destinos... e chegou a minha vez, o chofer bateu no vidro e apontou para a escola que tinha em letras garrafais escrito ITM, saí perguntei quanto havia que pagar e disse-me 40B... (até que uns dias mais tarde fui informado por uns colegas do curso que nunca se pergunta o preço e paga-se 20B, porque é o preço desse transporte colectivo...) dirigi-me à escola, onde fui bem recebido, gostei do espaço, da energia, e inscrevi-me em dois módulos, e se gostasse da formação faria as 6 semanas, mas primeiro queria testar a qualidade do ensino.

Era uma quarta-feira, os cursos começavam à segunda-feira, a caminho da minha habitação, havia uma pequena agencia de viagem ou coisa parecida, entrei consultei os preços e havia uma oferta de dois dias de viagem às redondezas, onde se podiam contemplar cascatas de água, floresta e visitar aldeias no interior norte do país com povos tradicionais e mulheres com pescoços grandes ornamentados com argolas sobrepostas em ouro, passeio de elefante, caminhada de 2 horas pela floresta de bananeiras e outras árvores de folha caduca que não me lembro do nome e terminaria com uma descida pelo rio em pequenas jangadas construídas de bambu. Acordei bem cedo eram uma 6 h, excitado pela aventura, estava uma manhã húmida, um céu cinzento-escuro, mas não chovia, essa estava guardada para mais tarde... às 7h apareceu uma carrinha cinzenta de nove lugares, nova, moderna era uma Mercedes, dentro havia um casal, saudamo-nos e seguimos num tur pela cidade, hotel em hotel até a carrinha ficar cheia, e seguimos para a aventura... o guia um jovem Thai, comunicativo, alegre, simples, que nos apresentou o itinerário, e seguiu-se a apresentação dos aventureiros desconhecidos, havia dois australianos de cinquenta e tantos, um casal gay, extremamente alegres e afáveis, o mais velho era enfermeiro e o seu par era dono de um bar de cor arco íris, junto a uma praia, num país onde o sol brilha todos os dias; havia duas alemãs, mãe e filha, reservadas, distantes e lindas; dois amigos israelitas, desconfiados, pouco sociáveis, mas ao mesmo tempo interessados por saber como vivem, como são os nativos daquelas terras verdes, encantadas, cheias de bananeiras e de flores atrevidas expondo sem pudor a beleza nua com que embelezam o mundo e deslumbram quem passa; uma espanhola encantadora, faladora, alegre e atrevida e por fim eu, silencioso, observador, e entusiasmado pela aventura...

A primeira paragem, foi numa cascata gigante, ruidosa, salpicando por todos os lados gotas de água e vapores frios, que sabiam tão bem, pois estava um calor de morte, e aquela sensação de cera derretida na cara, foi uma lufada de ar fresco e húmido refrescando os nossos corpos quentes e suados... havia no ar um cheiro a flores que não soube identificar, o grupo travava os primeiros contactos, para além dos que vinham juntos os demais éramos anónimos, desconhecidos, que nos encontramos por uma casualidade do destino, numa carrinha cinzenta, que nos transportaria juntos durante dois dias... o casal australiano divertido, foi quebrando o gelo, rimos, brincamos, até as frias alemãs haviam mudado o rosto semblante e branco por um ar mais cândido e a mais nova até apresentava uma cor rosada nas faces esguias... mas o momento mais brilhante foi a descida pelo rio ficamos molhados até aos cabelos pela água veloz e castanha do rio e pela chuvada desoladora que irrompeu sobre as nossas cabeças como cascata de água inesperada... rimos pelo ridículo, rimos pelas nossas figuras de pinguins molhados, rimos pelo prazer de rir... a última paragem foi a aldeia das mulheres de pescoços esguios cheios de ouro... a mim particularmente não me gostou, todos tiraram fotos, eu fiquei com aquela sensação de jardim zoológico, onde se vai ver os animais e oferece-lhes amendoins... estas senhoras de pescoços dourados são pagos pelo governo e vivem assim mostrando a quantos querem ver os sus pescoços longos e dourados, mas que mal se podem mover, baixar, ou virar a cabeça, bom é uma forma de sobrevivência e um chamariz turístico. Gostei da aldeia onde vivem as pescoçosas, casas de madeira, floresta, bananeiras, orquídeas, sapatinhos de cores e montanhas com contornos de corpos humanos adormecidos, templos budistas e a entrada do povo, dois bonecos tesudos de madeira para afastar os maus espíritos e dar pujança aos varões da aldeia. Regressamos à cidade, completos, exaustos, radiantes, próximos quase amigos, e despedimo-nos da mesma forma que nos conhecemos, na ronda turística a cada hotel despejando os seus hóspedes.

Nos dias seguintes fui explorando a cidade e os seus contrastes, o bairro que escolhera para viver ficava geograficamente bem situado, a vida da cidade, bares, discos, templos, mercados ficavam todos ali a volta a 5 -10 minutos a pé a Mandala House. Havia 3 caminhos vindos de sítios diferentes, dois deles das ruas mais turísticas, cheia de bares ingleses, casas de massagem, centros de thai boxe, saunas, lojas de roupa etc... mas o mais curioso havia a entrada de cada rua seca um grande templo budistas com cerca de 400 a 500 anos, bem antigos, talhados em madeira, coberta com lamina de ouro e dentro um imponente Buda, rodeado de alguns deuses menores.

De vês em quando, entrava num destes templos por volta das 7 da tarde, onde meditavam descontraídos, quatro monges, dois de idade entre os trintas e outros de tenras idades entre os 14 e os 16 anos. Sentados junto ao Buda entoavam os mantras, manejando as malas de madeira, uma espécie de rosário, na parte de traz dormiam dois cães de aspecto ameaçador, que me rangeram os dentes, quando me sentei junto as grandes portas, despertando a atenção destes quatro monges vestidos de cor de trigo queimado pelo sol. As idas ao mosteiro foram-se repetindo à mesma hora, para me reconciliar comigo e com o mundo, para desabafar e repensar a minha vida, para silenciar a mente e porque em falta de igreja, este templo era o mais parecido aos templos onde me desenvolvi e aprendi a falar com Deus, os cães foram ignorando-me e já nem a cabeça levantavam quando eu entrava...

Chegou a segunda-feira e apresentei-me na escola, cedo, como no primeiro dia que entrei na universidade há muitos anos a traz alegre e motivado. Começou a aula com uma hora de yoga, comandada por um CD, explicando os exercícios e um professor mudo exemplificando, achei aquilo tão ridículo que paralisei foi a 1ª e a última vez que coloquei os pés naquelas aulas, que se repetiam diariamente... seguiu-se a primeira aula teórica, depois do comité de boas vindas e das apresentações dos professores e dos alunos, gostei da forma simples de explicar era fácil de acompanhar tirar notas, e depois reproduzir os ensinamentos, porque a seguir à aula teórica havia aula prática e depois tempo para treinar o aprendido...

No terceiro dia de aulas por volta das 11h, estava em plena prática, ouvi o meu nome soar pelo ar com um tom que conhecera, mas que não identificara e soou uma vez mais - Luis... - com um tom de admiração e de conhecimento, num português perfeito, coisa que já não ouvira durante muitos meses, levantei a cabeça e tentei reconhecer a figura, calma e sorridente que se apresentava perante os meus olhos, então vi o meu amigo Nuno Miguel. Fiquei espantado e sem jeito, não esperava por esta surpresa que o destino quis traçar... sorri, abracei-o e fiquei feliz em velo, havia pelo menos três anos que não sabia da sua vida... informou-me que iria fazer o curso de teacher training, de 6 semanas, naquela mesma escola.

Fiquei feliz por ver um amigo de longa data, naquele sítio inesperado. Conto-me que tinha estado alguns meses na China, numa espécie de mosteiro escola, onde desenvolvera ou aperfeiçoara as técnicas de Tai Chi Chuan e Chi Kung.

Conheci o Nuno Miguel em 1999, num grupo de oração Taizé, na paróquia de São Tomás de Aquino, nas Laranjeiras em Lisboa. Eu tinha acabado de chegar de Espanha, onde tinha feito os estudos eclesiais e me tinha tornado frade da Ordem hospitaleira de São João de Deus. O convento ao qual pertencia ficava nesse mesmo local dos encontros de Taizé (movimento cristão situado em França e espalhado pelo mundo) e tínhamos amigos em comum. Nessa altura tinha desenvolvido o gosto pelas medicinas alternativas, pelas técnicas de desenvolvimento pessoal Bio Energética, aprendida em Espanha e o Nuno Miguel, um ser espiritual, na busca do seu auto-conhecimento, participava activamente nos encontros de meditação de Taizé, e ao mesmo tempo era Mestre de Reiki. Foi a primeira pessoa a quem ouvi falar desta técnica. Lembro-me da sua história... era um rapaz bem sucedido no seu trabalho de engenheiro, numa importante empresa da cidade dos corvos, respeitado entre os seus pares, inteligente no seu oficio, vida ajeitada... até ao dia que decide dar uma volta de 90º deixando o seu lugar seguro de engenheiro, o seu carro confortável e decide começar do zero, estudando Medicina Tradicional Chinesa na Baixa Lisboeta. Foi uma volta grande, creio que não fácil... mas a sua determinação, coragem e inteligência tornaram-no em Dr. de Medicina Chinesa e professor na escola que lhe ensinara o ofício. É um ser peculiar, de pele clara, assim como os seus cabelos e olhos, parece um ser divino ou um anjo em forma de homem, que contrasta com o sorriso matreiro, picardia, sentido de humor que o tornam numa pessoa agradável e um despedaça corações da mulherada que por ele se encanta. Tenho tão boas recordações daqueles tempos que no tempo estão, do grupo a que lhe chamamos 4 bios (bioenergética, bio danza, bio massagem, e bio síntese), dele fazia parte a Neusa, algarvia de gema, alegre, criativa, espiritual, artista, na altura o seu namorado o Hugo, simples, forte, divertido - agora marido; a Márcia irmã da Neusa, bonita, prática, decidida, sensual; o Gonçalo, divertido, animado, autroista e o Nuno. Reuníamo-nos na casa de S. João de Deus na Praia Grande, e aí passávamos o fim-de-semana em árduo trabalho de bioenergética, soltando as amarras do passado e reconciliando-nos com o presente... foram bons tempos...

Na terceira semana conheci outra tuga na mesma escola, uma amiga do Nuno Miguel, a Joana. Simpática, aventureira, elegante, portadora de uma beleza silenciosa e encantadora, comunicativa... compartilhamos o mesmo gosto pela escalada, foi bom estar entre gente da nossa terra, conversar, tomar café à porta da escola, trazendo à memoria um ritual tão nosso como a saudade...

Apesar de gostar do curso de ter decidido fazer a 6 semanas de teacher training em Thai Massagem, estava cansado da Tailândia... as pessoas que me pareciam amáveis quando aterrei nestas paragens na verdade, não o eram assim tanto. A simpatia era de etiqueta... raramente riam e não criavam amizade tão fácil, havia um interesse comercial nisto tudo. Eu habituei-me a uma rotina diária para dar algum sentido a minha existência, sentia-me triste e com enorme saudade da Índia, dos amigos, de gente alegre e que nos tratem bem... de manhã escola de massajem, à tarde estudar e treinar durante duas horas, seguia até à gym local, bem equipado e por 10 euros por mês, num hotel de 4 estrelas, terminava de treinar ia receber uma massagem thai ao sitio de sempre, alternando de terapeuta, havia escolhido dois, uma senhora de 50 anos, formosa em carnes, mas com um poder nos dedos de desfazer os nódulos mais profundos que a minha existência foi adquirindo e depositando nos músculos das costas como registo de vivência parecendo uma fita magnética onde tudo fica registado. O outro era um terapeuta de uns 28 anos que era especialista em alongamento dando ao meu corpo um pouco mais de flexibilidade.

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